A primeira conciliação frustrada da história está bem relatada na bíblia, trata-se do instrutivo conto do Rei Salomão, o qual na investidura de juiz deparou com um caso de duas mães que alegavam que um certo bebê seria seu filho.
Não existindo, ao tempo, exame de DNA ou qualquer outra forma de atestar categoricamente qual das duas seria a real genitora da criança, o Rei Salomão optou por analisar o depoimento de ambas as pretensas, não obtendo êxito em descobrir qual seria a verdadeira.
Desta forma, utilizou-se da conciliação, da prerrogativa básica em que cada parte deverá ceder um pouco, para determinar que o bebê deveria ser dividido ao meio - literalmente, cortado - e cada mãe levaria um pedaço do falecido bebê.
Uma das mulheres disse "para mim é justo", como uma verdadeira "puxa-saco". Já a outra desesperadamente levantou sua voz: "Não, eu prefiro ver meu filho nos braços de outra do que morto nos meus". E ouvindo estas duas alegações, o Rei Salomão, em toda sua sabedoria e sensibilidade, tomou a criança em seus braços e a depositou nos da verdadeira mãe, aquela que preferia ver a criança viva, e aquela que era detentora da totalidade do direito de ter aquela criança depositada aos seus cuidados.
Em uma clara conclusão, é possível observar que a quem pertence o verdadeiro direito, a conciliação lhe será nociva, e a quem está maliciosamente pretendendo algo indevidamente, a conciliação lhe será um prêmio.
A ideologia embutida na obrigatoriedade da tentativa de
conciliação nas diversas áreas do direito promovem nada menos do que injustiça.
Em verdade, é de um julgado do eminente juiz Gilberto Pereira de Oliveira que
se extrai uma afirmação bastante objetiva e acertada que, a despeito de ter
sido destinada aos processos litispendentes em um Juizado Especial, pode muito
bem ser extensiva a tudo o mais no Direito,“quem busca
justiça mais célere, não persegue menos justiça”. É bem sabido que as questões trabalhistas e inúmeras cíveis,
notadamente de responsabilidade civil contra empresas, findam com a homologação
de um acordo judicial, o que ad primo, aparenta ser promissor, afinal, é notória a morosidade
nos trâmites processuais, o que causa enorme desconforto à parte pleiteante.
Contudo, não é razoável, tampouco justo, privar ou recomendar ao autor que se
prive de parcela de seus direitos pleiteados tão somente por um descaso e
incompetência da administração pública, que por motivos inúmeros permite o
chamado “afogamento do judiciário”.
Muito se diz que a realização de conciliações acaba
por diminuir o número de processos entupindo as varas brasileiras, o que
trata-se de uma análise menos acurada da realidade teológica do instituto. Uma
empresa que deve a um empregado direitos trabalhistas no monte de R$ 50.000,00,
quando instada a se manifestar em juízo oferece proposta de acordo no valor de
R$ 2.000,00 e o trabalhador se dá por satisfeito, afinal, é uma quantia que
poderá satisfazer suas necessidades mais imediatas, todavia, como efeito
colateral desta aberração jurídica e moral, permite-se e incentiva-se o
inadimplemento destas empresas, as quais darão preferência a realizar acordos
judiciais, onde poderão legalmente esquivar-se de suas obrigações integrais,
aumentando, por conseguinte, o número de demandas ajuizadas.
Na própria processualística penal encontramos
resquícios de conciliação que causam estranheza, falo das transações penais e,
no âmbito da Justiça da Criança e do Adolescente, da remissão penal. Como pode
um sujeito realizar acordo referente a seu próprio estado de inocência ou de
culpa? Este tipo de raciocínio é pacificado na doutrina e legislação
norte-americana e é levemente imitada pelas leis
brasileiras. O Estado, conquanto detentor único do direito de processamento e
julgamento dos feitos, bem como da persecutio
criminis, não tem admitido sua própria
incompetência, mas jogado os demandantes ad bestias, permitido que os prejudicados continuassem prejudicados,
que a justiça fosse marginalizada pelo imediatismo.
A própria vedação ao
enriquecimento indevido é motivo legítimo para obstar a conciliação, a qual não deveria determinar formas de pagamento, pois a ninguém é dado o dever de
suportar o pagamento de uma dívida - integral - a prazo se inicialmente não houvesse sido
assim convencionado, consoante art. 314 do Código Civil, sendo a possibilidade de pagamento parcelado mais um bônus da conciliação ao mau pagador, ao inadimplente.
Permite-se, aliás, que em todos os casos, sem nenhuma exceção, o maior
beneficiário de uma conciliação seja aquele que deveria ser condenado ao final
da ação, bem como o maior prejudicado seja o detentor do direito certo.
Como mencionado antes, uma empresa inadimplente paga menos em
um acordo do que em uma fase de cumprimento de sentença, e um empregado que
maliciosamente empreende reclamação contra seu empregador pleiteando direito
inexistente, acaba recebendo também uma proposta de conciliação por este, que
não deseja ter contra si empreendido um processo judicial que acaba por
escandalizar e macular sua imagem no mercado, que não será reestabelecida mesmo
quando do trânsito em julgado de improcedência.
A conciliação, portanto, tem se demonstrado como falha em
seus próprios princípios, ineficaz para o desafogamento do judiciário e incapaz
de promover a justiça que se espera que seja fornecida pelo Estado. Se
analisado sob este prisma, atentando-se, ainda, ao quão ridículos chegam a ser os acordos celebrados, é palpável e cristalino o quão absurda vem
sendo a dependência do Poder Judiciário das conciliações para, falaciosamente,
reduzir o número de processos em trâmite.