domingo, 20 de janeiro de 2013

Casamento, uma análise crítica de suas recentes alterações


Inicialmente, faz-se necessário realçar certas idéias do Direito Romano que são tidas, ainda hodiernamente, como pilares, sustentáculos, de toda a figura complexa que é o casamento, cuja própria natureza jurídica ainda é objeto de opiniões discrepantes pela própria doutrina.

Com respaldo nos ensinamentos do saudoso Agerson Tabosa Pinto [1], tem-se que as bases da relação afetiva repousam sobre as situações de fato da affectio societatis e da affectio maritalis, que correspondem à demonstração de uma vontade de constituição de vínculo matrimonial, o primeiro refere-se à exteriorização da relação afetiva entre os sujeitos no bojo da sociedade, ou seja, tange ao conceito de publicidade. O segundo termo, por sua vez, consiste na “intenção e consciência de ambos os cônjuges de que a sua união é matrimônio”[2], uma demonstração de afetividade que envolve somente os companheiros.



Feita esta abordagem, ainda que meramente perfunctória, de alguns fundamentos básicos do casamento, há que se considerar que, não obstante as profundas e marcantes alterações que este instituto – ou contrato, segundo outros – tenha sofrido, mantém com firmeza estes princípios basilares.

Sob a égide destas idéias oriundas de seu próprio nascimento, o casamento no Brasil vem passando por profundas mudanças, mormente com a vigência da nova Carta Magna, que em seu art. 226 e seus parágrafos seguintes abordou, de forma meramente exemplificativa (numerus apertus) diversos outros “modelos” de família, desvinculando-se do dogmatismo de que somente o homem e a mulher de vínculo conjugal devida e formalmente constituído é que seriam dignos desta capitulação.

Tendo como ponto de partida a Lei Maior de 1988, passou-se, nos anos subseqüentes, a ser assunto de grande discussão o reconhecimento da união homoafetiva como uma entidade familiar, não somente para fins de previdência, mas para todas as outras garantias e proteções que são asseguradas à união estável, e assim foi decidido pelo STF quando do julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132.

Tendo sido pacificado o entendimento supramencionado, abriu-se margem para a concepção de que poderiam os companheiros de uma união homossexual também poderem formalizar seu relacionamento em um casamento, tal como os nubentes heterossexuais. Tal polêmica fora alimentada quando um juiz paulista decidira converter a união estável de duas mulheres em um casamento, ainda em julho deste ano, tendo este decisum sido utilizado como exemplo em Pernambuco, demonstrando que há uma tendência de propagação de ideologia.

Não tendo, ainda, a controvérsia do casamento homoafetivo alcançado a alçada do Supremo Tribunal Federal, o reconhecido como Guardião da Constituição, a matéria permanece digna de grandes debates principiológicos, sendo imperioso, contudo, consignar o posicionamento do STJ, por maioria, em sua Quinta Turma, no REsp 1183378, favorável ao casamento homoafetivo.

Tais questões vêm ganhando enorme repercussão pois retratam uma mudança no próprio cenário da sociedade, e é vista com maior clareza quando esta “evolução” se dá em nosso País, o qual mamara por séculos no seio da doutrina cristã, vindo a laicizar-se somente com a promulgação da Constituição Federal, poucos anos atrás.

É bastante cediço que o Direito Canônico em muito é refletido por nosso ordenamento jurídico, mas observa-se, feliz ou infelizmente, que o cordão umbilical está se rompendo à medida que aumentam os debates sobre aborto, casamento homoafetivo, et cetera. Quando há uma mudança legislativa que repercute em toda a sociedade, normalmente clama-se por mais, o que costumeiramente pode causar a desordem.

Se prima facie a decisão do STF em garantir proteção e reconhecimento às uniões homoafetivas possa parecer um grande passo em questões de igualdade e dignidade da pessoa humana, por outro lado passa a ser uma janela aberta para diversas outras mudanças que podem não ser, efetivamente, úteis ou sadias a nossa sociedade, posto que extremistas podem indagar sobre a constitucionalidade da vedação do casamento entre irmãos ou mesmo da vedação à poligamia, e com uma sucessão de indagações e permissões, o Direito nada mais seria do que uma fachada para a implantação de uma anarquia.

Destarte, seguindo ensinamentos do próprio Aristóteles, “a perfeição é o meio-termo entre dois vícios: um por excesso, e o outro por falta”, ou seja, que o Direito cumpra seu dever de garantir a harmonia social e de atender às necessidades da população sem, contudo, sacrificar os costumes, a imagem e a própria ordem social.

Até então, fiz um post meramente informativo sobre o tema (só com uma leve pintada de opinião), mas gostaria de traçar, em brevíssimas linhas o modo como interpreto estas alterações. Há algumas poucas décadas o "casamento civil" que conhecemos veio se divorciando dos princípios basilares e inseparáveis do "casamento cristão" previsto no Código Canônico, criando seus próprios princípios. O primeiro, produtor de efeitos civis, tem a característica - ainda que doutrinariamente discutível - de simples contrato, com repercussões patrimoniais, previdenciárias, sucessórias, etc, mas convenhamos, é uma convenção entre as partes, obedecendo formalidades legais e com verdadeiras cláusulas sinalagmáticas, e sobre este, acredito que os homoafetivos têm direito!

Quando um sujeito bastante religioso e apegado à doutrina cristã debate com um ativista e defensor dos direitos homossexuais, a discussão esquenta, parece até que não estão falando a mesma coisa. E do meu ponto de vista, realmente não é a mesma coisa.

Acontece que é preciso acreditar que existe sim a diferença entre o casamento cristão e este realizado no cartório. O papa - e eu - jamais avalizará o casamento homoafetivo, mas a meu ver, ele se refere ao matrimônio religioso, não aquele que diz respeito eminentemente a questões jurídicas, que é o civil. Os dois institutos, portanto, são distintos, possuem o mesmo nome - casamento - por mero capricho histórico, pois um dia, casamento civil e religioso eram uno, mas hoje, não mais. E este é o ponto de vista do autor, com o máximo de respeito a qualquer entendimento discrepante.



[1] PINTO, Agerson Tabosa, Direito Romano, 1ª Ed., Fortaleza, Imprensa Universitária, 1999.
[2] KASER, Max, Direito Privado Romano (Romisches Privatrecht), Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hammerl,. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 317.

Nenhum comentário:

Postar um comentário